29/07/2014

Cateterismo na Unicamp

A fama me levou a procurar a Unicamp assim que o cardiologista de Vinhedo recomendou que eu fizesse o cateterismo para descobrir o que se passava com minhas coronárias. Pode-se dizer tudo sobre a universidade, menos que não seja competente na área médica. Seus procedimentos cirúrgicos, por exemplo, são de ponta em várias áreas inclusive no setor cardiovascular, que era o alvo do meu interesse. Logo no início da minha internação para fazer o cateterismo fiquei no quarto com um senhor do interior paulista que estava vencendo três meses de internação e uma situação para lá de crítica: tinha um aneurisma do tipo gravíssimo na aorta e no ponto em que a artéria se aproxima do coração. O problema teve de ser contornado com um transplante de um pedaço da artéria.
O relato de superação do meu companheiro de quarto na véspera de sua alta deixava-me ainda mais seguro da escolha que eu havia feito para enfrentar os problemas coronários que eu resolvera encarar com esperança de que fossem os menos graves. Fiquei alguns dias internado para esperar minha vez de fazer o cateterismo.
Numa noite percebi que morrera uma senhora vizinha de quarto. Eu a tinha visto de relance . Era muito idosa e eu notei que não estava bem pela movimentação dos enfermeiros.  Percebi que a morte é um choque para todos os que se envolvem com a cura.
De repente ouço gritos e barulho de soco na parede. O barulho era de alguém que se encontrava no quarto ao lado, da senhora que acabara de falecer. Fui rápido  até lá e me deparei com um moço forte, atarracado. Seus murros contra a parede davam a impressão que faziam o andar estremecer. Dizia, aos gritos, frases agressivas contra os médicos que atenderam sua mãe até o fim da vida. Pensei no conforto daquele quarto, na dedicação do corpo de enfermagem que atendeu aquela senhora até seus últimos minutos (o mesmo corpo de enfermagem que me atendia), dei uma boa acalmada no rapaz, que mais tarde entrou no meu quarto para me agradecer pelas “sábias palavras” de conforto. Disse-lhe: “Olha moço, você proporcionou a ela o melhor que existe em medicina e em hospital no Brasil. Quantas pessoas neste país não gostariam de estar em seu lugar?”.
Em casa, enquanto aguardava ser chamado pela Unicamp para fazer o cateterismo, não saía do computador. Apertei o “dr. Google” de tudo quanto é lado. Queria saber tudo sobre meu estado de saúde, da hipótese mais pesada (cirurgia com ponte de safena) à mais leve (desobstrução das artérias com medicamentos). Minha opinião é que a Internet foi uma das maiores invenções do século passado. Pode ter passado pelos leitos daquele hospital um leigo tão bem informado sobre apropria saúde quanto eu, melhor que eu, duvido.
       Sabia, por exemplo, que há um tipo de stent (minúsculo aparelho, flexível, que é implantado dentro da artéria obstruída,  abrindo-a) que libera medicamentos para combater os trombos. Perguntei ao cardiologista que me atendeu nessa fase inicial – Dr. Otávio Rizzi Filho -  se a Unicamp dispunha desse tipo de aparelho e a resposta foi não, mas que se houvesse indicação no meu caso eles dariam um jeito de arranjar (soube depois que os grandes hospitais mantem regimes de cooperação entre si através dos quais é possível permutar muita coisa e conseguir, por exemplo, um stent medicamentoso para um ou  outro paciente que precisem).
        Sabia também que há um tipo de cirurgia cardíaca que evita a circulação extracorpórea, um momento em que coração e pulmões são “desligados” e a máquina assume por horas a circulação do sangue. A alternativa, menos invasiva e menos agressiva, é conhecida por “cirurgia com o coração batendo”. Cheguei a indagar ao dr. Rizzi , após o cateterismo, se era possível evitar a circulação extra corpórea no meu caso e a resposta foi não: ”no seu caso, por ser uma cirurgia muito complexa, não dá tempo de fazer com o coração batendo”.
E lá fui eu atrás das minhas três horas de circulação extracorpórea que trouxe à tiracolo um AVC isquêmico que me jogou numa cadeira de rodas onde permaneço já por um ano. Sou persistente. Quero crer que ainda este ano voltarei a andar.

(Imagem aérea da Unicamp)

25/07/2014

Poesia na dor

Uma agulhada na perna esquerda me avisa que ela está na porta pronta para entrar.

No começo tentamos confundi-la, no pressuposto de que ela pode ter errado o endereço, com o tempo aprendemos que essa possibilidade não existe. Não existe nada mais endereçada e certa que a dor neuropática. É como se alguém tivesse inscrito “Herzegovina” na soleira de nossa casa. Então ela entra sem pedir licença nem nada, “lei de Murphy”, se tiver de doer vai doer. Melhor se preparar para conviver com ela.

(Imagem de uma mão batendo na porta)

15/07/2014

Soberba e imaturidade por trás de mineiraços e maracanaços

Especial 

Era criança ainda e não tenho a memória daquela derrota da seleção brasileira para o Uruguai. Foi no Maracanã num domingo, 16 de julho de 1950. Ficou conhecida, a partida, como maracanaço.     
Tenho a impressão que a partida contra a Alemanha em que a seleção brasileira neste inesquecível 8 de julho de 1914 foi derrotada por 7 a 1 passará para história como mineiraço, pois aconteceu no estádio de Belo Horizonte conhecido por Mineirão.
Maracanaço e mineiraço foram travados num clima comum: uma certa soberba acompanha a seleção brasileira desde aquela época e parece não ter tempo para desaparecer, aliás, recrudesce a cada ciclo de quatro anos quando somos obrigados demonstrar porque nos chamam de a pátria de chuteiras e porque conquistamos cinco – eu disse cinco – títulos mundiais.
Ainda não havíamos conquistado nenhum em 1950, mas era como se tivéssemos 100 deles na prateleira a concluir pelo tom ufanista da mídia e dos políticos convidados a discursar nos grandes eventos da Copa - discursavam sem maiores preocupações, pois naquela época o povo ainda não havia aprendido a vaiar.
A soberba introduz o clima do “já ganhou” e este traz a tira-colo sua amiguinha de sempre: a negligência, aquilo que o "populacho" resolveu chamar sabiamente de “chuteira alta”. Se prestarmos atenção vamos notar que essas coisas foram a marca da seleção brasileira em toda esta Copa do Mundo. A soberba era expressa até na frase cravada nas laterais do ônibus usado pela seleção brasileira para os deslocamentos internos no Brasil: preparem-se, o hexa está chegando. Em outras palavras: mais esse título mundial não será alvo de conquistas. Fiquem todos em seus lugares que o hexa chegará até vocês. Oxalá essa derrota de sete a um e depois outra por três a zero, para a Holanda, reponham as coisas no seu devido lugar.
A soberba não esteve sozinha. Ela se aninhou no espírito de cada jogador em companhia de uma falta de experiência e uma falta de carisma nunca antes observada numa seleção brasileira. Quem assistiu à serie de Tino Marcos , repórter da Tv Globo, com um perfil dos convocados por Felipão, sentiu vontade de levar aqueles meninos para casa e terminar de criá-los.  Digo bem, terminar.  A série exaltava as virtudes e nem se referia à imaturidade, sobretudo para lidar com a responsabilidade ”monstruosa” que é jogar uma Copa do Mundo representando a  pátria de chuteiras, para cuja população perder é pecado mortal e perder de goleada é crime hediondo e inafiançável.
Deu tudo errado e nem os mais experientes “boleiros”, contratados como analistas pelas duas emissoras de televisão que transmitiram os jogos da Copa, conseguiram prever o desastre que a cada dia ficava mais previsível. A imaturidade da seleção brasileira foi escancarada quando o capitão – eu disse o Ca-pi-tão - Tiago Silva pedia para ficar de fora da lista de cobradores de pênaltis contra a Colômbia. Casagrande, um dos “boleiros” a serviço da Globo, deu a entender que enxergava a catástrofe iminente, mas preferiu subir no muro, ficar no jogo de insinuações, sem coragem de disparar de sua tribuna poderosa um alerta veemente. Não adiantaria muita coisa, mas o comentarista teria hoje mais condições de justificar seu alto salário e a fidelidade de seus muitos admiradores.

(foto do ônibus da seleção brasileira com a frase citada no texto)

11/07/2014

Uma Ótima Família

     Conheci Susana, minha mulher, com 23 anos na Universidade (USP) e só agora percebo o quanto ela gosta de mim. Acho que se não fosse o apoio dela eu não teria forças para suportar o que tem-me acontecido. Tive com ela quatro filhos que, tanto quanto a mãe, foram muito tocados pelos problemas de saúde do pai. Até hoje fiz o que podia fazer em favor deles. Os quatro concluíram universidade (o mais velho, Eli, é publicitário e diretor de fotografia em cinema e publicidade; o segundo filho, Edu, é engenheiro de alimentação, formado pela UNICAMP; o terceiro, Éder, é tecnólogo em saneamento ambiental, também formado pela UNICAMP e o quarto, Ives, é chargista e ilustrador, formado pela UNESP) e são muito dedicados a minha reabilitação. Ives se reveza com Eder e com Susana como meus cuidadores no Lucy Montoro. São nesses momentos amargos que a vida nos reserva que descobrimos o que é ter uma família com hombridade e caráter sólido. Sou recompensado hoje pelas preocupações que sempre tive pela formação do caráter dos meus filhos.


(Eu, Susana e nossa 1ª neta Laura, este ano!)