28/06/2014

O susto do cardiologista





De repente, na cancha de bocha, minha visão escureceu e quase caio no chão. Refiz-me em alguns minutos, mas não deu para terminar a partida. Estava de carro, mas não me senti seguro em dirigir: um amigo me levou à farmácia. Medi a pressão, estava apenas um pouco alta.

Fui procurar o cardiologista quando não dava mais para fugir dele. Aquela crise que me atingiu na cancha de bocha era um sinal importante demais para ser esquecido. Em casa, na mesma noite em que tive a crise, pedi para a minha mulher me levar à UPA – Unidade de Pronto Atendimento, de Vinhedo. 

Saí de lá de madrugada, depois de fazer um eletrocardiograma e um exame de sangue que afastou a possibilidade de eu ter enfartado. No dia seguinte, uma terça feira, voltei ao consultório do Dr. Reinaldo Motta Miranda. Eu havia feito uma primeira consulta com ele dois anos antes quando me advertiu: “Tabagista, obeso, pressão alta, sedentário – seu Dirceu, o senhor é uma bomba ambulante!” Eu reagi com bom humor, estávamos na campanha que elegeu a presidente da república Dilma Rousseff e eu sugeri ao cardiologista que me autorizasse a “explodir” no comitê da candidata.
Eu agora via-me obrigado a parar de brincar com minha saúde. Algo começou a me dizer que a coisa não estava mais pra brincadeira.
Primeiro, o Dr. Reinaldo me fez conduzir uma pesquisa para tentarmos descobrir as causas da crise na cancha de bocha - tomografia computadorizada do cérebro (teria tido um AVC?), exame de fundo dos olhos (teria tido um derrame oftalmológico?). Marquei uma radiografia completa dos rins (um exame de sangue havia detectado alterações renais), mas não cheguei a realizar. 

Fui antes fazer um eletro-de-esforço no cardiologista. Para desespero do Dr. Reinaldo fui um fiasco. O médico ficou bem mais assustado que o paciente: “Corra para o cateterismo. Você está na iminência de enfartar”.
Dali a menos de um mês, durante uma cirurgia de revascularização na Unicamp, tive um AVC, rápido, fulminante, que me atirou numa cadeira de rodas, onde me encontro já há seis anos... 

(Desenho de um médico com vários relógios no braço medindo o pulso de uma pessoa) 

20/06/2014

O coração dá um primeiro alarme


Jogar bocha era meu lazer preferido desde jovem. Pois foi numa cancha de bocha, em Valinhos, no início de 2.013, que eu recebi um primeiro sinal de que meu coração pedia socorro: meus olhos escureceram e a visão levou alguns longos segundos para se restabelecer. O dia terminava e eu não me sentia animado a continuar o jogo. Pedi a um amigo que me levasse de carro a uma farmácia. Queria medir a pressão. A suspeita era legitima: a pressão estava nas nuvens- 12 por 19 ou algo do gênero. Fui para casa, tomei meus remédios para controle da pressão e fiquei quieto num canto a espera de o susto passar. Eu não estava bem. Estava inquieto e me perguntava angustiado: o que será que eu tive?
A resposta até hoje é um mistério. Quem talvez tenha se aproximado da verdade foi um jovem neurologista de Jundiaí: “problema neurológico não foi; isto parece-me mais um acidente glicêmico”.
Eu já havia iniciado um longo e tenso caminho a procura de um diagnóstico.


13/06/2014

Desprezo faz parte da dura rotina

          Quem imaginou que o tetraplégico, escolhido pelo Projeto Andar de Novo para dar o pontapé inicial na cerimônia de abertura da Copa, dia 12, seria tratado com respeito, ou seja, pelo contrário do que a sociedade o trata no dia-a-dia, equivocou-se. Foi tratado dentro da velha rotina à qual já se habituou: as cenas do “pontapé”foram tão rápidas- dois segundos- que ninguém entre os bilhões de telespectadores deve ter percebido sequer o que ele estava fazendo ali por baixo daquela parafernália eletrônica que os cientistas liderados Miguel Nicolelis, conhecido por ser palmeirense fanático, desejaram que fosse identificada por exoesqueleto.
            O grande personagem da abertura da Copa foi o juiz japonês Yuiche Nishimura, que marcou um pênalti a favor do Brasil que só ele e a ex-jornalista Fátima Bernardes, atual garota-propaganda de uma famosa marca de mortadela, viram. No dia seguinte, ainda eufórica pela vitória brasileira, Fátima comentava em seu programa matinal: “pênalti, quando é contra o Brasil eu sempre acho que o juiz errou muito!!! ...”



07/06/2014

A lenta recuperação

Logo após o AVC, meus filhos contrataram um fisioterapeuta, Leonardo Benatti, para me assistir enquanto aguardava vaga no Instituto Lucy Montoro (São Paulo) ou Sarah Kubitschek (Brasília). Bem humorado, Leonardo conseguia transformar sessões, muitas vezes dolorosas, quase numa diversão. Um dia ele observou meu desempenho nos exercícios e comentou: "Movimentos novos, hem? Parabéns!". Eu repliquei: "Vou lhe pagar um cachê para me acompanhar o dia inteiro só para apontar para as pessoas que me visitam quais são estes movimentos novos que eu não sei identificar".
É o jeito que encontro para explicar que em fisioterapia o paciente é o último a perceber o progresso. Começamos a fazer os tais "movimentos novos" e vamos perceber que são novos algum tempo depois quando já os incluímos na rotina. A lentidão da reabilitação é quase apavorante. Serão anos de fisioterapia, de dor, de vai-e-vem, de músculos que a duras penas reconquistam os antigos movimentos. Outra coisa cruel é que ninguém fala em prazos na reabilitação, pois a musculatura tanto pode surpreender a favor das expectativas ou contrariar as previsões mais otimistas.
É nesse barco que navego. Ora com mais, ora com menos esperança.

 


01/06/2014

A solidariedade em marcha


Meu retorno à vida reservou-me grandes surpresas, muitas
das quais, presumo, ainda não consegui descobrir. O meu tipo de AVC é raro, dizem médicos e terapeutas. A retomada dos movimentos se deu pela mão paralisada quando, na maioria dos casos, se dá pelo pé. Dizem que exatamente por causa disso, minhas chances de recuperação total não serão muito difíceis. Estou em busca dela. Não é fácil. Por mais boa vontade que eu tenha em trazer de volta à normalidade o meu braço e minha mão direita, ainda tenho muito que caminhar até chegar ao ponto. É um tratamento incômodo e dolorido. Sem falar das limitações de acesso e mobilidade.
Antes de entrar nelas, nessas limitações, quero falar um pouco das mudanças que certamente ocorreram na minha base
neurológica. Sinto que estou mais sensível a tudo, à minha realidade. Sempre fui um ser bastante solidário. Solidariedade agora  transformou-se na espinha dorsal de todos os meus sentimentos. Isso aconteceu na medida que passei a depender da ajuda alheia para fazer tudo o que preciso, das necessidades fisiológicas - comer, dormir, movimentar-me - às intelectuais, como ler jornal e escrever este blog.
Ainda não sei explicar exatamente porque, mas entrei no período pós-AVC centrado na ideia de ajudar todas as pessoas que como eu sofreram lesões neurológicas. Este blog nasce desta preocupação. Desde o período que passei na UTI da UNICAMP não me sai da cabeça a ideia de que não devo sair dos problemas atuais sozinho. Tenho de levar junto comigo tantas pessoas quanto puder.
O contrário disto minha consciência hoje define simplesmente como egoísmo.