30/12/2015

A Samarco não merece respeito

        Talvez porque não tinha nada para preencher o buraco deixado pelo fim do CQC, a Bandeirantes fez lá um salamaleque e pos no ar, nesta segunda-feira 28 de dezembro, uma síntese das denúncias que o programa havia feito da atuação da Samarco, a responsável pelo maior desastre ambiental da história do país, em Mariana (MG).
        A prosopopéia serviu ainda para combater os boatos de que havia o dedo da empresa no desaparecimento do CQC. Pode ser também uma reação dos donos da marca do programa, argentinos, ao modo abrupto, intempestivo e desrespeitoso com que a emissora retirou o programa do ar.
        De qualquer modo, o fim do programa beneficia a empresa belgo-brasileira que não merece nenhum respeito no Brasil pelo que fez ao Vale do Rio Doce.

        Vamos varrer a influência da SAMARCO da face do Brasil; apoie o abaixo-assinado pela cassação da sua outorga de mineração:

(Equipe de resgate rasteja em lama à procura de vítimas em Mariana)

23/12/2015

O último CQC

       Foi triste. Dan Stulbach, Marco Luque, Rafael Cortez, Juliano Dip, Lucas Salles, Maurício Meirelles e Erick Krominski fizeram, nesta segunda-feira, dia 21 de dezembro de 2015, o último Custe o que Custar, o CQC, incomparavelmente o melhor programa da TV brasileira; todos eles, exceto Juliano Dip e Erick Krominski, riram e fizeram rir do próprio desemprego.
        Juliano Dip encerrou sua participação com coragem e audácia: tudo o que deve ter sido proibido de dizer da Samarco, descarregou sobre outra mineradora (tinha de ser uma mineradora!) – a Kinros,  que extrai ouro das terras de Minas Gerais (Paracatu, a noroeste do Estado), exporta para o Canadá e deixa nuvens de arsênio (um veneno pra lá de cancerígeno) de presente para a comunidade.
        Erick  Krominski foi com uma equipe de cinco pessoas mostrar a insegurança nos ônibus de Paraty, ela mesma, a “encantadora” cidade do litoral sul-fluminense que todos os anos abriga a maior festa literária do Brasil, a Flip. Há poucas semanas, 16 pessoas foram atropeladas e mortas num ponto de ônibus da cidade. Krominski foi à prefeitura cobrar providências para as questões de segurança no transporte coletivo e foram recebidos, ele e toda sua equipe, a socos e pontapés. Tudo na frente do prefeito Carlos José Gama Miranda, o popular Casé, que ainda em maio diz ter sido vítima de um atentado, quando levou dois tiros.
        O último CQC nem mencionou o nome da Samarco. Curiosamente, o programa vinha apresentando a melhor cobertura do MAIOR DESASTRE AMBIENTAL do País, causado por negligência da empresa belgo-brasileira, que em 2014 teve nada menos de US$ 2,5 bilhões de lucro. Seria capaz de apostar que há o dedo dela no desaparecimento do CQC.
        O fim do CQC deixa a televisão brasileira bem mais pobre.

VAMOS REDUZIR A INFLUÊNCIA NEFASTA DA SAMARCO NA VIDA BRASILEIRA. ASSINEM O ABAIXO-ASSINADO:


19/12/2015

Mariana: saldo tenebroso!

        A mídia – jornais, TV, sites noticiosos – já começa a esquecer o MAIOR DESASTRE AMBIENTAL da história do País de modo que Mariana (MG) vai ficar lá, destruída, violentada, pisoteada, enlameada e logo mais ninguém vai se lembrar dela, como se nada tivesse acontecido. A vida seguirá “normal” em toda parte, a presidente continuará no cargo a prometer punição drástica aos infratores, as entidades ambientalistas farão mais reuniões se comprometendo a salvar a TERRA da destruição, todos se esquecerão de que um País que não consegue salvar um rio deveria ter vergonha de revelar suas pretensões de salvar o Planeta.
        As informações sobre as multas já aplicadas à SAMARCO são desencontradas e não é de todo improvável que ela mesma, a empresa, ajude a espalhar notícias desencontradas com o objetivo de confundir a opinião pública e, assim, mais uma vez, conseguir escapar ilesa, sem nenhuma punição.
        A verdadeira punição para a monstruosidade que ela cometeu é a cassação de sua outorga de mineração, como pede o abaixo-assinado: https://www.change.org/p/cassem-a-outorga-de-extra%C3%A7%C3%A3o-mineral-da-samarco

        Ainda é cedo para fazermos um balanço da destruição causada pelo MAIOR ACIDENTE DA HISTÓRIA DO BRASIL. Já se  sabe, por exemplo, que a lama da SAMARCO fez desaparecer para sempre algumas espécies de peixe endêmicas, ou sejam, encontradas apenas no Rio Doce; há também algumas espécies de plantas só encontradas nas matas ciliares desse rio e que foram duramente atingidas; entre estas, estão o jacarandá-cabiúna, a braúna e o palmito. Segundo o Ibama, a lama causou a destruição de 1.469 hectares de mata nativa.
        Segundo a revista Época, os animais continuam assustados na região da tragédia. Muitos morreram, muitos se feriram e alguns chegaram a ser "petrificados" pela lama ressecada de rejeitos de minério.
        Um grupo de ONGs e voluntários dos direitos dos animais, no entanto,  tenta resgatar a maior quantidade de bichos possível. Eles se uniram ao Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal (FNPDA) para tentar arrecadar recursos e organizar melhor esse atendimento, crucial para a saúde dos animais.
        ÉPOCA conversou com Vania Nunes, diretora técnica do FNPDA, sobre esses esforços. Segundo ela, 300 animais foram resgatados. Veja trechos da entrevista:

ÉPOCA - Como funciona a operação de resgate dos animais em Mariana?

Vania Nunes - Eu estou em contato com a doutora Ana Liz Bastos, da ONG Associação Ouropretana de Proteção Animal, que é parte do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal. Ela foi para lá na noite do acidente, e realmente a situação era bem crítica. Logo que eles chegaram, não puderam entrar, estava tudo molhado, sujo, tinha a Defesa Civil. Quando amanheceu, algumas pessoas já vinham com animais. Esses foram os primeiros a ser atendidos. Tinha cachorro, galinha, passarinho, gado. Os animais estavam muito assustados, muitos sujos, alguns feridos. Elas prestaram esses primeiros atendimentos. No começo, os animais foram para o centro de zoonose de Mariana, que era o local mais próximo. Os que tinham dono, à medida que as pessoas foram realocadas em casas ou hotéis, os donos levaram. Mas para você ter uma ideia tinha cavalo, porco, galinha, não tinha como as pessoas levarem todos.

ÉPOCA - Houve um atendimento inicial, de emergência? Qual era o estado dos animais?

Vania Nunes - Eles estavam muito assustados. Se foi uma cena dantesca para as pessoas, também foi para os animais. Eles são capazes de perceber que aconteceu uma coisa muito ruim. Quando a água desceu, estava muito fria. Então a primeira coisa foi hidratar os animais e tentar aquecê-los. Tirar a lama, que estava ressecando, ficando dura que nem uma pedra. Limpar, porque aquele minério pode ser absorvido e intoxicar o animal. Se eles estavam bem, em ordem, já recebiam vacina, vermífugo, coleiras. Mas não vai achando que os animais eram todos dóceis, calmos, é só pegar e ir embora. Às vezes tem trabalho para abordar o animal, porque ele esta com medo, assustado. Tem que ser uma ação multiprofissional. Sem isso, você não consegue fazer nada.

ÉPOCA - O foco do resgate é em animais domésticos, certo?


Vania Nunes - Animais domésticos não são só os de estimação. Porcos, galinhas, gado, são muito importantes para as famílias. Lá é uma região rural, que tinha grande quantidade de animais. Um dia salvaram um monte de galinhas, vieram com elas debaixo do braço. No domingo, foram resgatados cinco cavalos. Muitos animais, principalmente bois e cavalos, ficaram presos na lama. A lama foi endurecendo e eles ficaram solidificadados ali, vivos. Muitos animais precisaram ser eutaniziados ali, infelizmente. A situação é caótica. As pessoas falam "é gato, cachorro", mas não é só isso. É muito importante, pra quem tem uma galinha, tem um porco, e aquilo é uma fonte de subsistência para ela, ter certeza que aquilo é um recurso que ela ainda tem, porque elas perderam tudo. Isso pode ser uma forma de ajudar essa pessoa a pensar que ainda tem perspectiva de recuperar de alguma forma a vida que tinha.

(Animais salvos no desastre de Mariana)





17/12/2015

Juliano Dip não tinha culpa!

        O último CQC estava bastante estranho. Apresentadores falavam em pedir emprego na Globo; repórteres, entre os quais o valoroso Juliano Dip, mostraram-se tensos, parecem ter participado do programa por dever de ofício, fizeram tudo sem emoção, burocraticamente. Não demorou muito para surgir a notícia: o CQC vai sair do ar em 2016 para só voltar, se voltar, em 2017.
        Eu vi aquilo decepcionado, achando que a emissora (Band) havia cedido ao tilintar das moedas da SAMARCO, atacada com a virulência do bom jornalismo nos programas anteriores, que vinham apresentando a melhor cobertura da TV sobre a tragédia de Mariana.
        Não titubeei em desancar o pau no programa, na Band, e no pobre Juliano Dip, chamado por mim de “fanfarrão” em artigo anterior. Peço desculpas a ele e a toda equipe do programa, que eu sempre admirei.
        Farejei pressão da SAMARCO sobre a emissora, o que não é nada improvável que tenha acontecido. Essas coisas são invisíveis e não deixam rastros; ficaremos sabendo muito tempo depois.
        Não nos esqueçamos que a sócia da SAMARCO é a Vale do Rio Doce, que foi privatizada lá atrás, mas devagar devagarinho veio se aninhar mansamente no colo do PT. Personalidades do partido não conseguiam viver sem os afagos (pixulecos) da Vale. É pois uma empresa demasiadamente influente para ser atacada por “um bando de engraçadinhos” a serviço de uma emissorazinha de TV qualquer.
        Já escrevi aqui neste blog que as emissoras de segunda linha, como poderiam ser chamadas BAND, RECORD e SBT, têm muita dificuldade em competir com a líder de audiência, pois não possuem uma estratégia competitiva clara e definida como seria exigível. Agora mesmo, a BAND tira do ar um programa, o CQC, que ao lado do PÂNICO havia conquistado a audiência de milhões de jovens que pouco se interessam por TV. Ela mesma, a emissora, não deve ter descoberto a importância dessa conquista.
        A justificativa para o programa sair do ar é que sua audiência havia caído muito. A BAND imitou aqueles sertanejos, tão bem descritos nos romances de Graciliano Ramos, que atiravam nas aves migratórias por achar que elas, que chegavam naquelas terras sempre antes de uma longa estiagem, é que traziam a seca.
        Atirar numa equipe de boa qualidade é fechar os olhos para as péssimas invenções da emissora, como aquele horrível CQC 3.0, feito só para retardar, inexplicavelmente, a entrada no ar do verdadeiro CQC. Não há  audiência que possa se manter incólume com tamanha besteira como essa.
ACABEM COM A INFLUÊNCIA NOCIVA DA SAMARCO! ASSINEM O ABAIXO-ASSINADO PELA CASSAÇÃO DE SUA OUTORGA DE MINERAÇÃO: https://www.change.org/p/cassem-a-outorga-de-extra%C3%A7%C3%A3o-mineral-da-samarco

Errei, desculpe cavalheiro Dip ! 

16/12/2015

E o CQC, hem? Já fugiu de Mariana

        Era muita indignação pra ser verdade. Menos de 15 dias depois de o CQC baixar em Mariana com raiva e ímpeto de bom jornalismo, esqueceu o assunto na maior cara dura, depois de haver prometido ir até o fim. O dim-dim da SAMARCO deve ter falado mais alto.
        E o bobo aqui acreditou que era pra valer, mandou e-mails para o “destemido” Juliano Dip, para o PROTESTE JÁ!, sonhando em conquistar uma mídia de massa para apoiar o seu abaixo-assinado pela cassação da outorga de mineração da criminosa SAMARCO.
        Era tudo de mentirinha, o repórter Juliano Dip não passava de um fanfarrão à procura de alguns minutos de fama. Depois de “enfrentar” um executivo da SAMARCO em Mariana, e falar grosso, afinou a voz, virou uma doce gatinha já no último CQC, pautado para cobrir uma bobagenzinha qualquer no Congresso, em Brasília.
        A TV Bandeirantes deveria mudar o nome do CQC (Custe o Que Custar) para MQG (Me Engane Que Eu Gosto).

ASSINEM O ABAIXO-ASSINADO. VAMOS MOSTRAR QUE É POSSÍVEL VENCER ESSA BATALHA SEM AJUDA DO CQC!  https://www.change.org/p/cassem-a-outorga-de-extra%C3%A7%C3%A3o-mineral-da-samarco


(Vem, vem que eu já estou correndo!)

11/12/2015

Histórias nada exemplares de nossa mineração (III)

        Ganha um doce quem adivinhar quem foi a Marion. Ela morreu no início dos anos 90, mas enquanto esteve viva! Nossa Senhora! Pintou e bordou na mãe natureza e sem dó nem piedade.
        Ela destruiu mil hectares (eu disse MIL) de terras férteis no município de Siderópolis, no sul de Santa Catarina. Só eucalipto cresce nos lugares por onde ela passou e olhe lá. Há lagos contaminados com rejeitos de carvão mineral que são puros reservatórios de veneno. O solo ali tornou-se pestilento!
        Mas, afinal, quem foi a famosa Marion? Foi uma drag-line ou simplesmente draga de proporções gigantescas; tinha uma caçamba que media 23 metros cúbicos e uma lança (guindaste) de 70 metros de altura. Eu já a vi em operação: o guindaste erguia a caçamba lá para cima e depois a soltava. E ela, a caçamba, caia de boca no solo.  A operação chegava a provocar tremores na terra. Depois vinham escavadeiras e caminhões para remover o material arrancado do solo numa só paulada.
        Foi a maneira portentosa que a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), estatal do aço, encontrou para retirar o carvão mineral que ali em Siderópolis surgiu em pouca profundidade; foi necessária apenas uma metodologia do tipo “arrasa quarteirão” para arrancar o carvão e deixar tudo revirado; a imensa área “trabalhada” pela Marion chegou a ser conhecida no mundo inteiro como “a paisagem lunar brasileira”.
        Como se vê agora em Mariana, os homens da mineração brasileira detestam a natureza e o meio ambiente. Amam as burras cheias de dinheiro!
        Não foi apenas a CSN que cometeu esse tipo de crime ambiental no Sul de Santa Catarina: outra criminosa, na exploração do carvão mineral a céu aberto, foi a Treviso, que chegou a usar cinco dragas no estilo da Marion, mas de porte menor. A regra era arrancar o carvão e tchau, deixar o solo naquela condição deplorável.
        As dragas só desapareceram do Sul catarinense depois de 1990, quando o presidente Fernando Collor (ele mesmo!) suspendeu a lei criada por Getúlio Vargas que tornava obrigatório às siderúrgicas nacionais usar 20% de carvão mineral brasileiro para alimentar seus fornos. Com o fim da obrigatoriedade, a atividade mineradora do Sul de Santa  Catarina entrou  em recesso e interrompeu aquele ciclo irracional que poderia ser chamado de “a farra do carvão”.
        A farra do carvão, bem pior do que aquela outra invenção catarinense, “a farra do boi”, não se restringiu às imensas áreas de exploração à céu aberto. Toda a atividade mineradora da região prosperou de costas viradas tanto para a natureza quanto para o homem. Em artigo anterior, denunciamos a morte de milhares de homens atacados por pneumoconiose. Não falei das atrocidades cometidas contra o meio ambiente.
        O carvão sai da mina envolto num rejeito chamado de pirita, puro veneno. Pior que isso: a pirita reage com a chuva e libera uma fumaça branca (gás sulfídrico) com cheiro de ovo podre; as populações de Criciúma, Siderópolis, Lauro Muller e tantas outras localidades da área carbonífera passaram anos e anos respirando aquele cheiro de ovo podre, pois havia montanhas de pirita por todos os lados.
        A recomposição de áreas e recursos naturais degradados pela mineração carbonífera é uma atividade super complexa - (segue link com detalhamento: (http://repositorio.unesc.net/bitstream/1/1674/1/Tiago%20Alexandre%20Manenti%20Silvestrini.pdf) - mas o Ministério Público Federal impôs esta obrigatoriedade a todas as empresas infratoras do Sul catarinense em 1993. Mais da metade delas não levou a exigência a sério, de modo que só em 2007 ficaram prontos os projetos que tentavam reestruturar tudo aquilo que foi destruído. Com a lentidão presumível, muita coisa foi feita nesses últimos dez anos.

SÃO HISTÓRIAS QUE TORNAM INADMISSIVEL A CONTINUIDADE EM MINERAÇÃO DE EMPRESAS, COMO A SAMARCO, QUE OPERAM SEM A MENOR POSTURA ÉTICA.
ASSINEM MEU ABAIXO-ASSINADO PELA CASSAÇÃO DA OUTORGA DE MINERAÇÃO À SAMARCO: 

https://www.change.org/p/cassem-a-outorga-de-extra%C3%A7%C3%A3o-mineral-da-samarco


(Ei-la: a Drag-line Marion em plena atividade. É só destruição!)


(Paisagem Lunar de Siderópolis, como ficou conhecida no mundo inteiro a área destruída pela Marion)

(Ela, em seu tempo, era imbatível: foi a maior Drag-line do Mundo)



07/12/2015

Histórias nada exemplares da nossa mineração (II)

        Morrer de pneumoconiose é mais do que terrível ! Acho que nem os chineses, inventores das técnicas mais sofisticadas de tortura, pensaram em algo assim, tão atroz.
        Pois bem, os mineradores de carvão do sul do Brasil, hoje homens que devem figurar na galeria dos seres mais ricos do país, mataram várias gerações de mineiros de pneumoconiose... e sem nenhuma piedade!
        Pode-se dizer que a pneumoconiose é uma doença profissional que ataca, por exemplo, os mineiros que trabalham nas minas subterrâneas de carvão mineral. Para quem não sabe, o carvão mineral aparece em veios horizontais extensos e a uma profundidade que no sul de Santa Catarina (região de Criciúma) atinge em torno de 100 metros.
        O veio do carvão mineral tem quando muito um metro e meio de altura; para extraí-lo, os mineiros fazem furos em cima do veio e enfiam neles bananas de dinamite; depois, explodem.
        Eu já assisti a uma dessas explosões. Elas levantam tanta poeira que o ar parece ter ficado sólido; deixar homens respirando aquele ar é um crime pra lá de hediondo.
        Depois de alguns meses respirando pura poeira, surge a pneumoconiose; é um pequeno grânulo, do tamanho de um grão de arroz, feito de pura sílica, que se instala nos dois pulmões, um em cada. A sílica, componente de quase toda a crosta terrestre, é fibrogênica. O organismo tenta expulsar o grânulo, não consegue e vai envolvendo-o de fibra, em expansão contínua até tomar todo pulmão. A evolução é lenta, pode levar em alguns casos três ou quatro anos.
        Eu já toquei um pulmão atacado pela doença: tem a consistência de um tijolo ou algo assim, como se fosse uma pedra. Também já estive com vários homens atacados pela pneumoconiose em diferentes estágios da doença. Um deles estava hospitalizado, em estado terminal: “De repente, meu coração começa a soquear, soquear... dá impressão que vou morrer”, ele me disse com a voz ofegante, puxando pelo ar que não aparecia.
        Outros três eu fui visitar na Praia do Rincão, a mais próxima de Criciúma. Têm todos algumas características em comum: são ainda jovens, musculosos, bonitos. Todos condenados à morte com menos de 35 anos. Podem sair da mina, mas a doença continua avançando até deixá-los absolutamente sem respiração. Parece coisa do demônio.
        Foi em 1988, eu estava em Criciúma num barzinho quando vejo um jato cruzar o céu, fazendo um risco branco em quase toda abóbada celeste. Pessoas que estavam próximas de mim comentaram com naturalidade: “Lá vai o Guglielmi, talvez para mais uma reunião de negócios em Brasília”. O Guglielmi (Santos Guglielmi, falecido em 2001), eu já sabia, era uma espécie de “Rei do Carvão”, dono de várias minas na região de Criciúma. Provoquei uma senhora que estava sentada a meu lado: “Ele tem muito dinheiro?” e ela deu uma resposta do tipo inesquecível: “Olha, meu filho, se juntarmos todas as escrituras dos imóveis desse homem, podemos encher uma piscina olímpica!”
        Não acho que ganhar dinheiro seja crime, mas tenho um dado do tipo também inesquecível: as minas de carvão do sul de Santa Catarina foram mecanizadas durante a década de 70; unidos, os empresários foram às compras no exterior; por medida de economia não trouxeram os equipamentos destinados a combater o pó nas frentes de extração, como aspersores. Não é preciso dizer mais nada, não é?

BOM, MEUS AMIGOS E MINHAS AMIGAS: NOSSO ABAIXO-ASSINADO JÁ PASSOU DAS 200 ASSINATURAS; PRECISAMOS MANTER A CHAMA ACESA ! A VITÓRIA NA CASSAÇÃO DA OUTORGA DA SAMARCO SÓ ACONTECERÁ COM MILHARES DE ADESÕES.
SEGUE LINK: 
https://www.change.org/p/cassem-a-outorga-de-extra%C3%A7%C3%A3o-mineral-da-samarco


04/12/2015

Histórias nada exemplares da nossa mineração (I)

        Chamava-se Grupo Lume porque tomava as iniciais do nome de seu dono, Lynaldo Uchoa de Medeiros, um dos maiores estelionatários deste país. Em Pernambuco, seu estado natal, antes de galgar a carreira dos grandes ladrões nacionais, já dava demonstrações explícitas de sua arte – a esperteza: aproximava-se de um alto funcionário da Caixa Econômica Federal à qual havia solicitado um empréstimo de milhões; propunha uma aposta: “ aposto um Galaxie se esse meu contrato sair”; saía, é claro, e ele pagava a “aposta” com um largo sorriso na cara de malandro; o Galaxi, o carro mais caro da época, era o sonho de consumo dos funcionários públicos que já amavam pixuleco.
        O Grupo Lume era um império; possuía de banco, que nadava de braçada no dinheiro do BNH para financiamento da casa própria, à mineradora, que ainda no começo dos anos 70 ganhou da Petrobras a exploração da jazida de potássio do Sergipe, uma das maiores do mundo; o potássio é um dos componentes do adubo químico.
        Os jornais da época se encheram de manchetes alvissareiras: agora sim o Brasil deu a largada para  conquistar a autossuficiência em potássio, agora vai, agora vai, mas acabou não “fondo” como diria aquele jogador gaúcho. O Grupo Lume simplesmente sentou sobre as jazidas e preferiu ganhar dinheiro com a tradicional esperteza de Lynaldo: o grupo negociou uma montanha de propina com os países que exportavam potássio para o Brasil com a promessa de não abrir-lhes concorrência em terras sergipanas.
        A manobra só foi descoberta mais de 20 anos depois quando o Brasil gastara zilhões de dólares com a importação do bendito potássio; era o final do governo Figueiredo e a paralisia do Grupo Lume já dava muito na cara; a outorga foi retirada do Lume e entregue à Petrobras.
        Agora vai, agora vai, mas outra vez deu a lógica do jogador de futebol gaúcho: acabou não fondo; a máfia que quase destrói a maior estatal do país deve ter descoberto o Jeito Lume de Ser, de modo que a empresa também sentou no potássio e pouco fez para a extração.
        Em 1991, a Petrobras arrendou o direito de exploração do Potássio sergipano, adivinhem para quem? Para a – tcham, tcham, tcham! – Vale do Rio Doce; Lynaldo foi realmente um mestre: ensinou o caminho das pedras para todos, democraticamente.
        Talvez para “inglês ver”, a Vale deu início imediato à exploração de uma pequena jazida em território sergipano (Taquari–Vassouras) e só fez arranjar desculpas, as mais esfarrapadas, para atrasar a exploração da jazida principal. Só a história de que dois pequenos municípios – Japaratuba e Capela, onde estão localizadas as jazidas principais – brigavam pela arrecadação de impostos fez com que a Vale ganhasse 5 preciosos anos de tempo de atraso no início da exploração. Quer dizer, mais uma vez os interesses da Nação são submetidos aos interesses regionais e de uma empresa que depois de ser privatizada voltou para o “doce capitalismo” à lá PT.
        O início da produção agora está previsto para 2017 e não é de todo improvável que a Vale adie por mais alguns aninhos, isto se o juiz Sérgio Moro não resolver investigar essa história. Com a produção da jazida sergipana em todo o seu potencial, o Brasil pode não alcançar a autossuficiência, mas deve arranhá-la.
        A produção brasileira de potássio ainda é ridícula, sobretudo se considerarmos que as reservas sergipanas e amazonenses podem nos trazer uma folgada autossuficiência. Nesta semana foi lançada na Câmara dos Deputados a “Frente Parlamentar pela Defesa, Apoio ao Potássio Brasileiro”. O deputado roraimense, Edio Lopes (PMDB), atuará como vice-presidente da Frente e é ele quem diz que os gastos do país com a importação do potássio chegam a R$ 5 bilhões anuais.


NOSSO ABAIXO-ASSINADO PELA CASSAÇÃO DA OUTORGA DE MINERAÇÃO DA SAMARCO JÁ ESTÁ PRÓXIMO DAS PRIMEIRAS DUZENTAS ASSINATURAS. AJUDEM A ENGROSSAR AS ADESÕES PELO BEM DO BRASIL, SEGUE LINK:
https://www.change.org/p/cassem-a-outorga-de-extra%C3%A7%C3%A3o-mineral-da-samarco


01/12/2015

Prezados amigos e amigas

        Postei há dias atrás um abaixo-assinado com a intenção de cassar a outorga de mineração da SAMARCO, a empresa que provocou o maior desastre ambiental da história do país. Acho que só mesmo essa cassação para levar esta e outras empresas do setor de mineração a tratar com respeito às comunidades no entorno de suas atividades e a natureza.
        Muitos de vocês já assinaram, pelo que eu fico  agradecido. Agora precisamos envolver seus amigos e conhecidos.
        O desastre de Mariana, em Minas Gerais, foi causado por pura negligência dessa empresa na construção e manutenção das barragens de rejeitos da mineração. E também pela omissão criminosa na fiscalização do DNPM e do Ministério das Minas e Energia, a quem dirijo o abaixo-assinado.
         Conto com você e com sua rede de amigos para tornar esse pleito vitorioso.
        Assine (e divulgue) no LINK abaixo; as comunidades atingidas, tanto em Minas Gerais como no Espírito Santo, ficarão gratas e comovidas com o seu apoio


LINK DO ABAIXO ASSINADO:
https://www.change.org/p/cassem-a-outorga-de-extra%C3%A7%C3%A3o-mineral-da-samarco

26/11/2015

Pela cassação da outorga à Samarco!

        A Constituição de 1988 é clara em seu capítulo 20, inciso 9: os recursos naturais, inclusive os do subsolo, pertencem à União. E assim, sua exploração por particulares depende de autorização expressa da autarquia federal competente—Departamento Nacional de Produção Mineral-DNPM. O departamento concede e o departamento cassa, suspende a outorga, podendo transferi-la para outro particular de notório conhecimento na extração de minério.
        Temos de suspender a outorga concedida à Samarco em nome dos interesses maiores da nação; não vai ser uma tarefa fácil, por razões diversas. Só mesmo através de uma grande mobilização nacional para termos êxito.

Pensando nisso, estou postando um Abaixo-Assinado pela Internet (neste link: https://www.change.org/p/cassem-a-outorga-de-extra%C3%A7%C3%A3o-mineral-da-samarco e imagino que nosso objetivo só será alcançado com mais de dois milhões de assinaturas.  Será uma ação árdua, penosa, mas acredito que com ajuda de todos brasileiros de bem, a começar pelos meus leitores, chegaremos lá. Basta trabalharmos de modo concentrado e compartilhado.
        Temos de dar um exemplo explícito e insofismável do desejo nacional. A  Samarco tem como sócio majoritário a belga BHP Billiton e minoritário a Vale do Rio  Doce. A empresa lucrou só no ano passado nada menos de dois bilhões e meio de dólares.Repetindo: DOIS BILHÕES E MEIO DE DÓLARES.
        Montada numa montanha de dinheiro e numa montanha de ferro das Minas Gerais, a empresa nada de braçada na política brasileira distribuindo migalhas aos membros dos partidos mais poderosos da República - PT, PSDB E PMDB, entre outros, menores, como  PTB, PDT,PTC,PSB, DEM, PMN e - pasmem!!! - o PV- Partido Verde. 
        Vejam que interessante a matéria divulgada pelo repórter  Felipe Amorim, do Site Noticioso UOL: “Deputados que vão apurar tragédia em Mariana receberam R$ 2,6 milhões  da Vale”. Três comissões parlamentares foram criadas para acompanhar o rompimento das barragens de mineração na região de Mariana, em Minas Gerais - explica Felipe Amorim, para depois acrescentar: “Na Câmara dos Deputados, 13 dos 19 membros da comissão externa instalada nesta quinta-feira (12-11) para acompanhar e monitorar os desdobramentos do desastre ambiental foram beneficiados por doações de empresas ligadas à Vale, em valores que vão de R$ 465 a R$ 500 mil”.
        Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, cinco dos nove membros titulares da comissão extraordinária criada na primeira quinzena de novembro foram beneficiados com doações do grupo Vale, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). As contribuições de campanha aos integrantes da comissão somam R$ 368 mil.
Já na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, - ainda segundo informações de Felipe Amorim - as empresas do grupo Vale doaram R$ 428 mil a sete dos 15 membros da comissão representativa criada para acompanhar os impactos ambientais da tragédia.
        Amorim prossegue: “Na comissão criada na Câmara, tiveram gastos de campanha bancados por empresas ligadas à Vale os deputados Laudívio Carvalho (PMDB-MG), Gabriel Guimarães (PT-MG), Leonardo Monteiro (PT-MG), Paulo Abi-ackel (PSDB-MG), Rodrigo de Castro (PSDB-MG), Paulo Foletto (PSB-ES), Eros Biondini (PTB-MG), Mário Heringer (PDT-MG), Subtenente Gonzaga (PDT-MG), Fábio Ramalho (PV-MG), Brunny (PTC-MG), Givaldo Vieira (PT-ES) e Lelo Coimbra (PMDB-ES).
        Na assembleia mineira, Agostinho Patrus Filho (PV), Thiago Cota (PPS), Gustavo Corrêa (DEM), Gustavo Valadares (PSDB) e Gil Pereira (PP). No Legislativo do Espírito Santo, foram beneficiados Guerino Zanon (PMDB), Janete de Sá (PMN), Rodrigo Coelho (PT), José Carlos Nunes (PT), Gildevan Fernandes (PV), Bruno Lamas (PSB) e Luzia Toledo (PMDB).”
        Essas informações de Amorim revelam tudo o que havia por trás de uma série de episódios que até agora ninguém conseguia entender muito bem, a começar pela inépcia do atual senador Aécio Neves (PSDB),  governador de Minas Gerais por longos oito anos, no controle ambiental da exploração de minério em seu estado, quando a bomba relógio da Samarco já estava pronta, só faltando ser acionada.
        Explica também o empenho de Lula e Dilma em remover da presidência da Vale do Rio  Doce (ironia do destino, né?) o executivo Roger Agnelli, muito “independente” para os interesses do governo e de seu partido. A troca foi consumada em 2011, ou seja, bem no começo do governo Dilma e quando ela ainda se via colada a seu inventor e antecessor.
        Há ainda pendente o misterioso caso da exploração das Jazidas de potássio do  Sergipe, mas isso eu conto numa próxima postagem.


23/11/2015

Ecos da MEGA TRAGÉDIA de Mariana!

        Há um erro de foco na luta ambiental no Brasil e é necessário corrigi-lo com urgência; a prioridade não é o aquecimento global; como que um país que não consegue salvar a si mesmo pode ter a pretensão de salvar o PLANETA???????????????????????
        Acho que o país ainda não despertou para a gravidade do que ocorreu em MARIANA. Essa tragédia, GROTESCA, nos mostra com clareza absoluta o despreparo do BRASIL para enfrentar as grandes tragédias que nos ameaçam. Ela nos mostra, em primeiro lugar, a falta de civilidade, de brasilidade e de decência de um segmento inteiro do EMPRESARIADO, o da MINERAÇÃO, que tem em suas mãos um pedaço importante da geografia brasileira; eles já haviam demonstrado a mesma indecência da VALE na exploração do carvão mineral no Sul do Brasil, tema de um próximo artigo neste blog.
        Nos mostra também, a TRAGÉDIA DE MARIANA, a inépcia, inoperância e ineficácia dos organismos ambientais federais, como o IBAMA, que nem fiscaliza e não pune e se pune não recebe pelas multas que aplica (ver matéria da Folha de São Paulo deste domingo, 22 de novembro: IBAMA SÓ RECEBE 8,7 % DAS MULTAS QUE APLICA).
        Nos mostra ainda, A TRAGÉDIA DE MARIANA, a inépcia do governo federal em meio ambiente e o quanto é falso todo o discurso, inclusive internacional, da presidente, na defesa de um ambientalismo de fachada, que não vai – e nunca foi – ao cerne da questão. De que adianta o combate ao aquecimento global se o país permite a existência sem nenhum controle de NADA MENOS DE 630 MINERADORAS QUE TRATAM O MEIO AMBIENTE À LA SAMARCO? Isto para não falarmos de outros desmandos tão ou ainda mais graves que os registrados em Mariana!
        Estabeleçamos uma nova ordem ambiental, a começar por exigir RESPEITO ao meio ambiente e ao país. Está aí o grande desafio que se impõe à SOCIEDADE e aos políticos. Não for assim, melhor devolvermos o Brasil aos índios e pagarmos uma multa portentosa pelo mau uso que fizemos das terras que roubamos violentamente deles há mais de 500 anos.
        O Brasil foi estuprado em Mariana e ficamos todos de bunda de fora, pacificamente, como que à espera da próxima violência.




21/11/2015

Frase indigesta de um pulha

        Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, é perito em cometer crime e violência contra a sociedade de seu País; um dos maiores ladrões da Petrobras, delator da Lava Jato, perpetrou, talvez inconscientemente, uma violência recente contra o Brasil ao pronunciar a frase indecorosa “Virei um leproso”.
        O termo “lepra” deve ser banido de uma vez por todas da fala do brasileiro; ele se faz sempre acompanhar de uma carga enorme de preconceito, ainda muito viva na memória das pessoas; para facilitar o esquecimento, foi instituído o termo “hanseníase”, muito menos estigmatizante como sinônimo da doença. Isto ainda em 1995. Foi necessário criar uma lei para regulamentar a substituição.
        Homens como Paulo Roberto Costa, 62 anos, adoram viver acima da lei dos homens. Imagine que ele vai prestar atenção numa “lei menor” ou querer agir dentro do que todos os mortais consideram politicamente correto.
        Passemos a palavra à Sociedade Brasileira de Hanseníologia - SBH:

Hanseníase não é crime

       O jornal Folha de S. Paulo deste domingo, 8, traz uma manchete que nos causa preocupação e indignação. O título “Virei um leproso após Lava Jato, diz delator Costa” não é um simples recurso linguístico para dar clareza ao discurso. É o reflexo de um preconceito enraizado em todas as classes sociais do Brasil – país, aliás, que ocupa o segundo lugar no número de casos de hanseníase no mundo, atrás da Índia.Aqui a doença é considerada endêmica e mais de 30 mil casos novos são descobertos a cada ano.

        Tão grave quanto o alto número de pacientes é o preconceito que recai pesadamente contra cada doente de hanseníase no Brasil. A hanseníase tem sua gravidade, assim como muitas outras doenças. Porém, tem cura, tem tratamento gratuito em todo o sistema público brasileiro e, uma vez em tratamento, o paciente não transmite a hanseníase a seus comunicantes. Mas isso poucas pessoas sabem.

       Uma das grandes batalhas da Sociedade Brasileira de Hansenologia, desde 1947, quando foi fundada, é contra o preconceito. O tratamento adequado permite que o paciente tenha uma vida normal, trabalhe e estude sem representar risco algum à integridade física de seus amigos, colegas, familiares.

       Uma tentativa de diminuir os estigmas da doença, o nome ‘lepra’ foi substituído por ‘hanseníase’ em 1995, com a Lei n° 9.010, de 29 de março de 1995. No entanto, desde a publicação da Portaria n° 165, de 14/05/1976, do Ministério da Saúde, estava proibido o uso do termo ‘lepra’ e seus derivados nos documentos oficiais do órgão.

      Mesmo assim, o preconceito arraigado em toda a sociedade se apresenta com força nos discursos das pessoas comuns, das autoridades, dos formadores de opinião e até de educadores.  A gravidade desta situação se reflete no abandono do debate sobre uma das mais antigas doenças conhecidas da humanidade, já extinta em muitos países e que cresce silenciosa e assustadoramente no Brasil.

         A Sociedade Brasileira de Hansenologia e o Ministério da Saúde têm alertado para o grande número de novos casos em crianças menores de 15 anos. Porém, nas escolas, os programas de ensino se esqueceram de abordar a hanseníase e a falta de esclarecimento leva a todo tipo de preconceito em cadeia na sociedade. Isso tem dificultado o trabalho dos hansenologistas no Brasil. São profissionais que estudam, pesquisam, fazem intercâmbio de informações com grandes centros de pesquisa no mundo, enquanto outros vão a campo, em comunidades desfavorecidas no interior do Brasil, numa peregrinação a aldeias, vilarejos, lugares esquecidos, onde a informação não chega, mas chega e impera o preconceito. É importante ressaltar que, mesmo sendo uma doença característica de populações economicamente desfavorecidas, municípios com alto índice de IDH, de economia pujante e respeitados polos de pesquisa, apresentam índices ainda endêmicos da doença.

       No Brasil, a prevalência da hanseníase é de 1,27 casos para cada 10.000 habitantes. Há muito tempo, o país poderia estar com menos de 1 caso de prevalência, como estipula a Organização Mundial de Saúde para considerar a hanseníase sob controle.

      O diagnóstico da hanseníase é clínico e as pessoas precisam ter informações básicas para chegarem aos serviços de saúde antes do surgimento de complicações e do aparecimento de incapacidades.
A hanseníase é a doença que mais cega no mundo. Diabetes e hanseníase são as maiores causadoras de feridas no Brasil – país em que as feridas são consideradas problema de saúde pública.

          Conviver com um cenário preconceituoso não é fácil para um paciente de hanseníase. Outros, nem pacientes chegam a ser, tamanho o preconceito.
Assim, a Sociedade Brasileira de Hansenologia solicita um esclarecimento sobre as declarações do Sr. Paulo Roberto Costa na referida reportagem. Ainda que a declaração não tenha sido emitida pelo jornal Folha de S. Paulo, mas pelo entrevistado, o papel de formador de opinião deste periódico é imensurável, mas conhecidamente de peso. 

       Oportunamente, a Sociedade Brasileira de Hansenologia propõe que a imprensa debata sobre a hanseníase e colabore com uma luta que, por falta de eco na sociedade, também tem sido silenciosa.

Sociedade Brasileira de Hansenologia
Fundada em 1947. É a realizadora do Simpósio Brasileiro de Hansenologia e do Congresso Brasileiro, realiza também cursos de atualização para profissionais de saúde (de várias áreas) por todo o país e promove ações de busca ativa de casos. 

Marco Andrey Cipriani Frade
Presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia



17/11/2015

A morte de um amigo

        Havia uma cobra em seu caminho; em seu caminho havia uma cobra. Terrivelmente peçonhenta. Negou-lhe qualquer chance de escapar.
        Falo de meu cachorro querido, um mestiço labrador que desapareceu das nossas vidas para sempre. Já faz uma semana, mas o tempo tem passado tão doído que a impressão é que tudo acaba de acontecer.
        Na última vez que o vi, ele entrava furtivamente em casa, caminhando feito uma pluma na esperança de não ser percebido. Não teve sorte. Minha mulher, Susana, o viu e o pôs para fora não lhe dando tempo, como sempre fazia, de se aninhar aos pés da minha cadeira de rodas para tirar uma soneca, perto de mim, perto de gente. Estar perto dos humanos – suponho – era a coisa que ele mais gostava, depois de sair para a rua.
        Tenho mais três cães em casa, mas nenhum é como ele, afetuoso, sensível, insubstituível. Moro numa pequena chácara, em terreno um tanto inclinado, ao fundo do qual construí uma cancha de bocha, o meu esporte preferido em meus tempos de andante; a cancha anda meio abandonada, por razões óbvias.
        Posto para fora de casa, deve ter descido à procura de um buraco na cerca para escapar para a rua; passou pela cancha de bocha onde estava à sua espera uma serpente. Foi encontrado morto no dia seguinte pelo meu filho caçula, Ives.
        Dadinho era seu nome; deixou para trás um mar de recordações e de tristeza; sua foto mais expressiva está no perfil do Eder, meu terceiro filho, no Facebook: ele aparece lambendo o rosto do Eder, como se espargisse afeto; era bem o seu estilo.
        Já contei sua história numa antiga crônica aqui em meu blog. Falta detalhar um pouco mais de que são feitas minhas lembranças e que me enchem os olhos d’água várias vezes ao dia.
        Lembro-me de Edilene, minha primeira enfermeira, contratada pelos filhos para cuidar de mim tão logo deixei o hospital. Edilene, dona de um delicioso sotaque mineiro, o chamava de cachorrinho e permitia que ele entrasse em meu quarto e ali permanecesse por longo tempo, dormindo. Não o via, mas sentia sua presença pela respiração. E ela me fazia bem.
        Mais tarde, quando eu já me movimentava de cadeira de rodas pela casa, sempre que eu saia para um pequeno pátio adjacente à cozinha, ele vinha ao meu encontro, feliz da vida, trazendo na boca algum objeto que apanhava do chão – um tapete, uma garrafa pet, um pedaço de pau – e me oferecia uma das pontas para eu segurar; media forças; puxava de lá e me obrigava sempre a puxar de cá.
        Depois, deitava a meia distância e ficava me olhando, não sei se para me vigiar ou para tentar entender minha nova condição; talvez se compadecesse, não sei; talvez me vigiasse, também não sei; talvez por um misto das duas coisas, talvez...
        Uma vez, não faz muito tempo, Combosa, uma cadela grandalhona e desajeitada, aproximou-se de mim e começou a por as patas dianteiras em meu colo; o gesto, carinhoso, me incomodava e eu gritava pedindo para ela parar; mas ela não parava. De repente,  Dadinho entrou em cena para me livrar do carinho tão inconveniente, avançou sobre a Combosa, fazendo-a a parar com a brincadeira, nunca mais repetida.
        Há menos de 20 dias Dadinho escapou para a rua e ficou desaparecido por quase uma semana.  Recorremos à Internet; minha nora, Silvia, imprimiu um pequeno cartaz que espalhamos pela cidade; o telefone tocava várias vezes ao dia e a sensação é que ele havia se multiplicado em vários cães com suas características. Parecia estar em toda parte.
        Quando já o dávamos por perdido, eis que ele aparece, na rua, em frente de casa, em meio a um pequeno grupo da cachorros; Ives saía de carro, o viu e o trouxe de volta prendendo-o no canil. Tinha alguns ferimentos no focinho e muitos carrapatos.
Foram os carrapatos, aliás, que decretaram sua sentença de morte.         Um deles passou para Susana e ela começou a combater com mais energia sua presença em casa. As portas nunca foram uma barreira para  Dadinho: ele sempre as abria dependurando-se nas maçanetas.
        Pensei em deter Susana na última expulsão; fazer prevalecer minha autoridade de dono da casa. Lembrei-me dos carrapatos e fiquei imobilizado. Ela tinha razão. Carrapato, aqui  na nossa região, pode transmitir febre maculosa, doença com alto grau de letalidade.



14/11/2015

O PT e os direitos do cidadão

Se você já pegou remédio “gratuito” nalguma farmácia popular; se já comprou uma casa financiada pelo governo ou por qualquer uma de suas instituições; se já pegou algum crédito consignado ou se aproveitou de algum outro benefício do gênero, precisa saber que, para os militantes do PT, você perdeu grande parte de seus direitos de cidadão, não pode nunca mais reivindicar, criticar o Partido ou seu governo. Se o fizer jogarão na sua cara a pecha de “filho ingrato”, “hipócrita”, “cretino” e tudo mais.
        Tem de morrer dentro do espírito de gratidão eterna, incondicional; o militante do PT que se preze é capaz de tudo para desqualificar seus críticos, especialmente quando fica sem nenhum argumento para defender as atrocidades do governo ou do Partido. Gostam de dizer: “Vai ver ele tem crédito consignado, pega remédio nas farmácias populares...” É o jeito PT de ser, imutável, perpétuo.

        O que os petistas fanáticos aprovam e aplaudem é o comportamento “sórdido” de “líderes” à La José Dirceu, venerado e aplaudido nas reuniões do Partido, mesmo atolado em denúncias de toda espécie e gravidade por envolvimento no Mensalão; e que ninguém se iluda em achar que agora, com a prisão do “líder” por envolvimento na Lava Jato, a admiração por ele tenha chegado ao fim. Seria capaz de apostar que um dia ainda vai deixar as masmorras de Curitiba ovacionado.

11/11/2015

Brasil, o país dos negativados

        Está negativado? Não se constranja, pois existem 200 milhões de pessoas na mesma situação e muitas delas em condições bem piores que a sua. Somos o país dos negativados. Reparem na alegria das moças que fazem propaganda para a Crefisa, uma instituição que nada em prosperidade nestes tempos bicudos. Ela fazia seus anúncios em emissoras de segunda linha. Agora, sua publicidade ocupa espaços nos horários mais nobres da mais cara emissora, a líder de audiência.
        A Crefisa é especializada em crédito para "negativados". Sua propaganda mais insistente diz: "Quando todo mundo lhe diz não, a Crefisa diz sim". Foi-se o tempo em que o brasileiro comparecia ao programa dominical de Silvio Santos para ver se conseguia "algum". Ou comprava o carnê do Baú da Felicidade. Hoje, a onda é correr para os braços da Crefisa.
        É a herança do jeito de governar do PT. Penso até em instituir um prêmio neste blog: quem conseguir me apresentar um só membro do PT negativado ganha 100 mil reais. Mas esperem um pouco, primeiro quero ver se a Crefisa patrocina o concurso.
        Fico impressionado com a esperteza do PT; primeiro vem o “Rei Barbudo” e “inclui” no mercado de consumo milhões de brasileiros e forma com isso a massa “crítica” que vai eleger sua sucessora, a quase desconhecida e atual presidenta (disse-o bem, pois ela exige ser chamada de presidenta). Em seguida ela joga o país nos braços da Crefisa, enquanto o Rei Barbudo se prepara para voltar.
        Reparem no que ele tem dito: “Nunca tive uma conversa ilícita com algum empresário, seja pequeno, médio ou grande”. Como ele é esperto! O Fernandinho Beira Mar também nunca deve ter tido uma só conversa com alguém sobre tráfico de drogas pela simples razão de que sempre teve um punhado de pessoas a falar e tramar em seu nome. Me engana que eu gosto!


05/11/2015

O Homem e a Cadeira de Rodas (5)

        Não é por falta de inteligência que as cidades brasileiras são o que são - verdadeiro horror para todas as pessoas que possuem algum tipo de deficiência física a perturbar a mobilidade. São assim por ganância, desleixo, ignorância, falta de humanismo e de cultura.
        Gostaria de compartilhar com meus leitores um texto que me foi enviado por um amigo de Belo Horizonte, o jornalista Valério Fabris, interessado nos assuntos que dizem respeito à urbanismo e urbanidade. É o que poderia ser chamado de manifesto em favor da acessibilidade urbana. Foi escrito por Haroldo Pinheiro, líder da entidade que orienta, disciplina e fiscaliza as atividades de arquitetos e urbanistas do Brasil – o CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil).
        O universo sob a jurisdição do CAU abrange cerca de 130 mil arquitetos em todo o território nacional. Obra de Haroldo, o texto que você lerá agora é uma espécie de chama a reavivar as esperanças de que um dia as cidades brasileiras ainda vão descobrir um novo caminho, muito mais saudável, humano e civilizado para tratar os seus cidadãos:    

CALÇADAS E PRÉDIOS COM COMÉRCIO NO TÉRREO

“Temos no Brasil os piores exemplos mundiais de calçadas, de espaços para circulação.

        O que dá sustentação ao discurso de acessibilidade são as calçadas, hoje tão hostis às pessoas com dificuldade de locomoção, seja por idade, por acidente, por causas natais ou gravidez.
        É hora de exigirmos calçadas bem pensadas, desenhadas, construídas e conservadas, com pavimentação antiderrapante, sem que os carrinhos de bebês, os carros de serviços e as cadeiras de roda derrapem, deslizem ou trepidem.
        Precisamos trazer ao Brasil o valor que se dá aos espaços públicos em muitas cidades, como Paris, Nova York, Buenos Aires ou Montevidéu.
        É fundamental que haja, também, o aproveitamento das áreas térreas dos prédios para o comércio, que é o que se passou a chamar de fachada ativa.  Trata-se  do uso do térreo,  possibilitando-se a ligação entre o edifício e a calçada.  
        Que não existam, ao longo das calçadas, muros nos prédios, escondendo os seus primeiros andares, sendo que, do outro lado da rua, na parte de trás desses mesmos prédios, comumente também há as entradas de garagem.
        A gente passa a andar em uma cidade entre muros. É o muro de um condomínio, ou é o muro resultante do fechamento de uma garagem, porque o prédio fica em cima de um vão, convertido em garagem”.



"O que dá sustentação ao discurso de acessibilidade são as calçadas, hoje tão hostis às pessoas com dificuldade de locomoção, seja por idade, por acidente, por causas natais ou gravidez."

30/10/2015

O Homem e a Cadeira de Rodas (4)

        Guilherme Travassos, um leitor da minha crônica “O homem e a cadeira de rodas (1)”, escreveu-me para se excluir, com justa razão, do grupo de pessoas que enxergam o cadeirante por baixo de uma nuvem de preconceito como me referi à maioria das pessoas da sociedade no Brasil. “Sempre que posso, ajudo sem que me peçam”, disse-me Guilherme.
        Na verdade, com a crônica, quis dizer que temos um longo caminho pela frente na guerra pelo fim dos preconceitos e pessoas como Guilherme Travassos terão de marchar junto com todos nós para ensinar as pessoas a olhar para o deficiente com mais sensibilidade e clareza.
        Outro leitor, Antônio Celso Zangelmi, foi mais longe; ao comentar a mesma crônica, mostrou  que o preconceito é típico brasileiro, pois em países como os EUA “é punido com severidade”. Celso chamou ainda atenção para o fato de que um dos mais respeitados cientistas do mundo – físico teórico e cosmólogo britânico Stephen Willian Hawking – é cadeirante e portador de ELA, Esclerose Lateral Amiotrófica, em estágio avançado. Stephen atrofia em cadeira de rodas e ainda assim tem conquistado medalhas, honrarias e prêmios por relevância de seus estudos.
        Isto sem nos esquecermos de que uma das mais brilhantes deputadas brasileiras, Mara Gabrilli (PSDB-SP), é tetraplégica, ou seja, perdeu em acidente de trânsito todo o movimento de pernas e braços. Ainda recentemente, Mara foi representar o Brasil em reunião do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas. Mara, que ocupa atualmente o cargo de terceira secretária do Congresso Nacional, faz de sua atividade política um libelo em favor da acessibilidade a portadores de necessidades especiais.
        Outra mensagem bem estimulante veio de minha sobrinha, Lúcia Diniz, médica dermatologista, referência nacional em hanseníase. Ela reside em Vitória, no Espírito Santo, de onde me escreveu o seguinte:
        “ Fico triste em ler sobre as suas histórias de cadeirante, pois uma coisa é a gente ser cadeirante, a outra é "aceitar" ser cadeirante. Talvez o que conserve a minha mãe do jeito que é, ainda jovem aos quase 80 anos, foi negar-se a ser "velha". Se vivermos muito, seremos velhos, mas não significa que tenho de assumir determinadas coisas, que as pessoas consideram ser "dos velhos".
        Ganhei o livro "Sempre em movimento, OLIVER SACKS, uma vida"; biografia deste médico neurologista inglês, mas que adotou os EUA para seguir a sua profissão. Escreveu vários  livros, mas este, no penúltimo capítulo, se refere aos sequelados de AVC e os caminhos que o cérebro pode recriar em outras áreas diferentes daquelas que foram atingidas pela isquemia e melhorar ou solucionar algumas alterações provocadas por ela. Vale ler o livro e fazer os exercícios tentando criar estes novos caminhos.
        Abraços a todos e muita força!”

(Cadeirante no Brasil)

26/10/2015

O Homem e a Cadeira de Rodas (3)

        Eu proibi meus filhos de terem e pilotarem motos; nunca concebi a ideia de ter uma delas, nem depois de ter assistido a Easy Rider. Em outras palavras, a fantasia de que a moto amplia sua liberdade nunca me seduziu; que me desculpem os apaixonados por motos e os fabricantes, mas moto para mim sempre foi símbolo de morte súbita ou de tragédia familiar das mais pesadas e aflitivas.
        Se tivesse algum poder no Brasil, proibiria o uso de motos para entregas ou faria cumprir com grande rigor, em toda cidade brasileira com mais de 50 mil habitantes, aquilo que determina o Código Nacional de Trânsito ao estabelecer que a moto deve ocupar o lugar de um veículo de quatro rodas no trânsito, lei que nunca foi obedecida.
        O atestado de que sempre agi com acerto está lá no Instituto Lucy Montoro (rede de reabilitação mantida pelo SUS e apoiada pelo governo do Estado de São Paulo) onde não param de chegar os acidentados de motos, vindos de todas as regiões do país; chegam geralmente paraplégicos, ou seja, uma das versões mais graves da lesão medular, pois a paralisia atinge as duas pernas. Eles não se livram facilmente da cadeira de rodas.
        Para eles, o peso da cadeira de rodas é geralmente bem maior pois estavam acostumados com ampla mobilidade, aniquilada de uma só vez por um acidente que não costuma poupar nem condutores e nem caroneiros; por mais brutal que tenha sido o acidente, nem sempre este consegue destruir a paixão que muitos sentem por elas, as motos, algo patológico.
        Não me esquecerei facilmente dos dois irmãos baianos que conheci no Lucy Montoro, um deles “premiado” com uma paraplegia adquirida em acidente com sua moto de alta cilindragem; seu sonho era voltar a andar para poder comprar uma moto ainda mais possante que aquela que o levou, talvez para sempre, a uma cadeira de rodas.
        Deu no Jornal Nacional há cerca de três meses:
        - Os números para quem anda de moto nas ruas brasileiras são preocupantes: 12 mil pessoas morrem por ano em acidentes com esse tipo de veículo. Uma pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia identificou o perfil dos acidentados. Quase 90% são homens. A maioria, jovens, entre 18 e 30 anos. E mais da metade usa a moto pra trabalhar.


21/10/2015

O Homem e a Cadeira de Rodas (2)

        Lembro-me de seu rosto lindo, cativante e expressivo;  magra, deveria ter quando muito 33/34 anos;  almoçamos com ela poucas vezes, mas o suficiente para gostarmos dela e sentirmos sua falta nos dias em que nos mantivemos no Lucy Montoro depois que ela teve alta. Não tinha ou não vivia com o marido. Não me lembro mais de seu nome. Falava sem constrangimento sobre sua vida:
        - Tenho cinco filhos, o maior tem 14 anos; os dois gêmeos, de sete anos, são os mais difíceis de controlar; são impossíveis!
        Foi por causa dos gêmeos que ela está em cadeira de rodas, paraplégica; foi tentar salvá-los de uma queda de cima do telhado de casa e quem acabou caindo foi ela.
        Passou 45 dias hospitalizada – 15 dias na UTI e mais 30 dias no quarto. Saiu do hospital (SP) e foi direto para a fisioterapia intensiva do Instituto Lucy Montoro. Quando a conheci na copa do sétimo andar, estava já em seus últimos dias de internação no Lucy.
        Sentei do lado dela na copa e perguntei-lhe:
        - Como é, está com saudade dos filhos, ansiosa para voltar pra casa ? -- Arregalou os olhos e disse:
        - Estou é com bastante medo, nem imagino o que eles vão fazer comigo nesta cadeira de rodas ! Isto para eles vai ser como um super brinquedo...



16/10/2015

O Homem e a Cadeira de Rodas (1)

        O telefone, em casa, fica a uns 20 metros do computador, frente ao qual eu passo várias horas ao dia, trabalhando; sempre que o telefone toca e minha mulher, Susana, atende, fico atento; geralmente, quando querem falar comigo, eu percebo e já me desloco em direção ao telefone; meus interlocutores esperam por mim o menor tempo possível.
        Ainda outro dia o telefone tocou, Susana atendeu e não demorei a descobrir que era um amigo lá de Santa Catarina que queria falar comigo; minha mulher disse: “Ele está no computador, espera que eu vou lá buscá-lo e o trago aqui rapidamente”. Falei com ele, matei a saudade mas não engoli aquele “vou lá buscá-lo” de Susana. Soou para mim como uma redução das minhas possibilidades.
        Uns dois dias depois conversávamos à mesa do almoço, eu, Susana e nossa nora, Sílvia, e falávamos de um sobrinho pelo qual eu tinha a maior consideração e que me deixou bastante indignado por sua atitude: morou em casa durante vários anos, de repente saiu para casar, ter filho, e se afastou da gente sem dizer sequer um obrigado; moramos hoje a menos de 100 quilômetros um do outro mas ele nunca veio nos visitar; deu uma de cachorro magro; sabe que eu adoeci gravemente, que baixei em cadeira de rodas, mas ele nunca mais me visitou, nem sequer me deu um telefonema.
        Nessa conversa de almoço, Susana, que de vez em quando se fala por telefone com a mãe do rapaz, sua irmã, me disse que ele e a mulher, que eu ainda não conheço, estão desempregados, passando por dificuldades. Eu então pus para fora um pouco da minha indignação com o rapaz:
        - Nem quero saber como ele anda ou deixa de andar, não me interesso mais por ele. Não pretendo mais ajudar.
        Nesse instante, Susana soltou um sorriso irônico e fez seu comentário cruel:
        - Você ajudar? Você não consegue mais ajudar a si mesmo e como vai conseguir ajudar os outros?
        Reagi com mais indignação e tristeza; chamei-a ao computador meia hora depois e mostrei a mensagem que havia passado naquela manhã a nosso filho Edu, engenheiro de alimentação. Era um relatório que um amigo de São José dos Campos, a meu pedido, havia me passado sobre as indústrias do Vale do Paraíba. Um verdadeiro guia de mercado. Era eu tentando ajudar nosso filho. Ela leu, compreendeu e pediu-me desculpas, bem arrependida do que disse.
        Eu fiquei ali com minhas reflexões; na cadeira de rodas, tempo é o que não nos falta para reflexão. Porque é que as pessoas que gostam de mim com intensidade, como Susana, cometem esses gestos falhos de avaliação das possibilidades reais de um cadeirante? Eu me perguntei sem demorar a encontrar uma resposta.
        É a maldição da cadeira de rodas, um símbolo forte de impossibilidades, capaz de esconder competências, habilidades, tirocínio intelectual, virtudes que, graças a Deus, o AVC não me tirou. Ela, a cadeira de rodas, joga a pessoa sempre para trás, nunca para frente. Não é à toa que a sociedade vê o cadeirante com uma montanha de preconceitos e desprezo, um estorvo para as pessoas normais.