09/08/2015

Lucy Montoro, oásis no deserto da Saúde brasileira

        Como informei em artigo anterior (A Solidão do Cadeirante), estou internado no Instituto Lucy Montoro pela terceira vez. O Lucy - uma das ótimas heranças do PSDB – é um dos centros  mais especializados em reabilitação da América Latina, com diversas unidades espalhadas pelo estado de São Paulo. A unidade para internação, onde estou, fica no Morumbi, a poucos quilômetros de Paraisópolis.
        Almoço todos os dias com o garoto Mateus. Ele tem 18 anos e aos 17 foi vítima, durante uma balada, de uma bala perdida que atingiu-lhe as costas e o deixou paraplégico. Sua cuidadora é a mãe, Maria Betânia, que se reveza no trabalho com a avó, Deída. A família reside na favela de Paraisópolis e é um bom exemplo da face democrática do Lucy, que tem acolhido pacientes de várias faixas de renda, sem distinção e sem necessidade de “cunha” política. O foco é na necessidade de saúde e nas possibilidades de recuperação bem avaliadas por médicos fisiatras (especialistas das doenças que atacam os pacientes com lesões).
        O Lucy é mantido pelo SUS – Sistema Único de Saúde. A terapia de reabilitação intensiva é cara, mas o instituto se parece com um oásis em meio ao caos da saúde no Brasil, onde faltam recursos e sobram necessitados; penso que a inépcia do SUS no Brasil é uma fotografia do fracasso da proposta do Partido dos Trabalhadores - PT, desfigurada pela corrupção sem precedentes na história deste país. Fossem aplicados em saúde, por exemplo, os 19 bilhões de dólares roubados da Petrobras, é bem provável que Lula teria cumprido sua promessa de transformar o SUS em exemplo de qualidade para o mundo.
        O Lucy é muitas vezes a última esperança de recuperação de pessoas com lesões medulares de todo o tipo e toda gravidade; sua clientela não para de crescer num país injusto, assolado pela violência, pelos acidentes de trânsito, pelos acidentes na construção civil, pela má qualidade da saúde pública, que mandou para o Lucy, como exemplo, o ainda jovem Rafael, com grave lesão cerebral. Filho do pequeno empresário Nilton, seu cuidador, Rafael ainda consegue preservar o corpo de atleta, com músculos bem torneados  e avantajados. Deve ter quase um metro e oitenta de altura, 38 anos de idade. 
        Era lutador de tae-kwon-do e apresentou uma isquemia cardíaca, que ele escondeu da esposa e do pai para não ser obrigado a parar de lutar; durante uma luta em São José dos Campos, no Vale do Paraíba (SP), teve uma parada cardíaca; faltou oxigênio na ambulância da Prefeitura que o socorreu; chegou ao hospital em coma profundo e saiu de volta para casa com lesão cerebral, que ainda o mantém semi-paralisado e com grave retardo mental. 
        É a segunda internação de Rafael no Lucy. Sua evolução é notável, embora seu cuidador não o perceba tanto quanto eu. Ele já anda com certa dificuldade, entende quase todas as coisas que lhe falam, diz inúmeras palavras com clareza que melhora a cada dia da internação; é sua segunda internação no Lucy. Estive com ele e o pai na primeira internação, há cerca de 18 meses. Eu fiz uma segunda enquanto ele teve de realizar uma cirurgia  para implante de uma válvula cardíaca.
        O prédio para internações do Lucy fica na rua Jundiatuba, cercado por arranha-céus residenciais. Tem 10 andares, dos quais quatro são de apartamentos para internação; pacientes ficam hospedados, cada qual com seu cuidador, durante três, quatro, seis ou oito semanas, dependendo de cada caso, da evolução do tratamento, dos objetivos fixados por fisiatras, terapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos. A assistência ali é completa, tocada por profissionais instalados no topo da pirâmide profissional. Parecem não existir altos e baixos no time de profissionais que faz o Instituto funcionar – todos operam  num altíssimo nível de qualidade.
        Falhas? Impossível não havê-las. Noto alguma pouca deficiência na comunicação médico-paciente, como no meu caso, na segunda internação, quando fui levado para aplicação de fenol na perna direita, sem que me explicassem para que e o que pretendiam com o procedimento. Deu problema: apresentei o que os fisiatras chamam de “choque” no pé e o problema (dor no pé, que se espalha lentamente até atingir vários pontos do corpo) persistiu por quase um ano. Até hoje, 12 meses  após a aplicação, ainda sinto resíduos do problema. Eu deveria ter sido comunicado da finalidade do tratamento e prevenido dos riscos.
        Mas o Instituto reage, a comunicação, hoje, é muito mais esmerada, com a recente implantação de um fisiatra por andar dos quatro andares da internação. O médico que me atendeu no sexto andar, nesta terceira internação, chama-se Artur – é um nissei simpático, dono de grande empatia para com os pacientes. Deve saber que a empatia é a pedra de toque de toda boa comunicação.


(Imagem ilustrativa de um oásis circundado por montanhas de areia)

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